19/10/2012

A MULHER VISTA PELA MÚSICA


Por IORRAN SEBASTIÃO BASTOS


Muita coisa no comportamento de homens e mulheres mudou definitivamente com o movimento feminista, que ganhou força avassaladora a partir dos anos sessenta do século passado. Vou me ater à música para ilustrar os momentos mais marcantes da mudança da condição da mulher objeto para a mulher agente.

 AI , QUE SAUDADES DA AMÉLIA, o famoso hino machista de Ataulfo Alves foi a primeira a cair em desgraça no gosto das novas “sem sutiã” da praça. Virou um inimigo poderoso, combatido em todas as frentes de audição. Já vi muita mulher quebrar vitrolas antigas por causa dela. Ela era o alvo preferido e considerada tão machista que outras acabaram ficando no esquecimento da perseguição. Tivemos por exemplo, o Agepê, que cantava JEITO DE FELICIDADE. Coisa impensável hoje em dia:

 “Acorda amor, já é hora de fazer o café
Sabe como é que é
Eu tenho que pegar o trem das seis
Senão não chego as sete lá
Eu já falei pra você
Deixar de assistir a novela das dez
Esquece de lembrar do compromisso
Quem não tem nada com isso
Fica sem café”,

Até o Chico Buarque, considerado o alter ego feminino deu a sua derrapada em FEIJOADA COMPLETA. Não estou defendendo-o, mas acho que ele queria era falar de uma festa regada a uma boa feijoada. Ocorre que acabou colocando a mulher  sozinha para fazer tudo e ele só entrou com os amigos e a bebedeira e ainda por cima, sem aviso prévio, mandando botar mais água no feijão. Fazia-me lembrar das raivas que a minha mãe tinha quando meu pai chegava meio tonto aos domingos levando um amigo para o almoço depois que todo mundo em casa já havia comido e lavado as louças.


 “Mulher, você vai gostar
Tô levando uns amigos pra conversar
Eles vão com uma fome que nem me contem
Ele vão com uma sede de anteontem
Bota a cerveja estupidamente gelada prum batalhão
E vamos botar água no feijão...”


E o triunfo feminino veio com os próprios homens, alguns interpretando o momento de poder feminino com classe, feito Ivan Lins em BILHETE, se bem que serve para ambos os sexos, mas as mulheres se apropriaram dela primeiro. Fafá de Belém foi rápida no gatilho e gravou:

“Quebrei o teu prato, tranquei o meu quarto
Bebi teu licor
Arrumei a sala, já fiz tua mala
Pus no corredor
Eu limpei minha vida, te tirei do meu corpo
Te tirei das entranhas
Fiz um tipo de aborto
E por fim nosso caso acabou, está morto
Jogue a cópia da chave por debaixo da porta
Que é pra não ter motivo
De pensar numa volta
Fique junto dos teus
Boa sorte, adeus”

E também uns com menos recursos argumentativos ou se sentindo derrotados, fizeram músicas que são chamadas “de corno”. Será que foi vingança delas? Olhem o hino deles com o Reginaldo Rossi:
“Garçom! Aqui!
Nessa mesa de bar
Você já cansou de escutar
Centenas de casos de amor...

Garçom!
No bar todo mundo é igual
Meu caso é mais um, é banal
Mas preste atenção por favor...

Saiba que o meu grande amor
Hoje vai se casar
Mandou uma carta pra me avisar
Deixou em pedaços meu coração...”



Obs: Publicado originalmente com o título "Feminismo e MPB"

17/10/2012

UM PASSEIO RELAXANTE PELA DOR

imagem google


ARCANJO ISABELITO SALUSTIANO

As soluções prontas são um balde de água fria no hábito de pensar. Antigamente as coisas iam acontecendo e os recursos eram escassos. Enquanto faltavam técnicas apuradas por um lado, abundavam pensamentos por outro. O homem ia vendo as coisas, os fenômenos naturais e ia teorizando, esperando socorro. Foi assim que nasceu a filosofia. E como tinha pouca gente para pensar, os mesmos filósofos viram que tinham que resolver os problemas eles mesmos. Tanto que viraram cientistas também. Enquanto deixavam o pensamento vagar em observações no cosmos sob o sol, luares e estrelas, iam fazendo umas continhas, misturando umas substâncias, testando umas superfícies lisas ou ásperas e tomando anotações. Nasciam os astrônomos, fiscos, matemáticos e por ai afora.

Quando pensaram na dor, que remédio tinha a não ser teorizar? Teve gente que afirmava que com a dor se aprendia a viver melhor, uma forma de superação de adversidades. Ficar impassível diante da dor provocava uma elevação do caráter. Veio o tal do estoicismo. Uma aula com a dor. Era preciso aprender a cura, no entanto, pois muita gente não entendia o princípio e continuava sentindo dores. Além do mais quem poderia transferir para a alma, onde o suporte é maior, uma dor que tá doendo no braço, na perna, na barriga?  Aí teve uns que começaram a estudar o corpo humano e a medicina foi aparecendo depois, devagar.

O que atrapalhou um pouco os planos, ou melhor, os pensamentos bem intencionados acerca da dor foram umas pessoas que passaram a sentir um certo conforto e prazer com ela. Eram os tais masoquistas atrasando o desenvolvimento da filosofia e da ciência. Pode uma coisa dessas? Como tudo tem uma reação (já estava começando a germinar o conhecimento da lei da ação e reação), apareceram aqueles que gostavam de ver o sofrimento alheio e também sentiam prazer nisso. Eram os sádicos, tradicionais rivais dos masoquistas durante muito tempo. E bem mais à frente na história vamos ver que se aliaram. Muitos acabaram em moderníssimos motéis com chicotinhos, correntes, algemas e outros apetrechos, já que a sociedade começou a punir abusos em praça pública. Coisa de foro íntimo, eu nem tenho nada com isso.

Não falei dos hipocondríacos, uma categoria intermediária, mas deixa pra lá. O caso deles quase nunca envolve dor. Acho que se trata mais de carências da alma querendo algum reconhecimento e que são substituídas por aparentes doenças e muitos remédios. Se lhe derem umas pílulas de trigo ou maizena disfarçadas e disserem que resolvem os problemas muitos se curam com uma facilidade incrível.

Motivo dessa prosa toda? Eu estava andando de bicicleta e me deu uma dor danada no cóccix. Pode falar nos ossos da bunda? Não me levem a mal, não há intenções sádicas nem masoquistas. É que eu fiquei uns tempos parado e até me acostumar novamente não tenho outro remédio senão pensar e ir me exercitando. E cóccix é uma palavra muito difícil de ser pronunciada. Só de pensar dói.

16/08/2012

GLEICINEIDE E OS NAMOROS


imagem daqui

- Seu moço, mulher é o bicho mais traíra que existe. Pois veja o que me aconteceu: terminei com o Juninho e tava ficando com um rapaz. Outro dia levei uma amiga que já tenho há sete anos lá em minha casa com o namorado dela. Juntamos mais uns vizinhos, compramos umas cervejas, uns vinhos, fizemos umas batidas e estávamos naquele converseiro, até que rolou uma música e começamos a dançar. A cerveja acabou e enquanto o namorado de minha amiga foi ao bar buscar mais, eu resolvi tomar um banho pra tirar a suadeira da bebida e da dança. Daí a pouco eu escuto uma vizinha me gritando pra que eu saísse do banheiro rápido e vir “ver uma coisa”. Pela urgência que ela falou, me enrolei na toalha e fui achando que alguém tinha acidentado ou passado mal, coisa assim. Ela queria era me mostrar a minha amiga de beijos e abraços como o meu rapaz lá no quarto dos fundos da casa. Eu fiquei na minha, afinal não ia brigar com ela por causa de homem, né? Mas tem uma coisa: quando o namorado dela chegou com a cerveja e já ia dando um beijinho nela eu entrei no meio e falei mesmo pra ele. - Êpa, se fosse você eu não beijava essa aí , não, pois somos dois chifrudos. Foi só você sair e eu ir tomar banho que os dois se engalfinharam.

- E você acredita, seu moço, que ela ainda teve a cara de pau de me dizer que jamais teria coragem de fazer uma coisa daquelas, que estava só conversando?  Depois ela me pediu desculpas e eu aceitei. E não é que na outra semana me veio convidar para comemorar o meu aniversário na minha casa? Nem morta, seu moço! Nem morta!. Quer dizer, só se não tiver homem no meio. E tá pensando que ela é mocinha, né não, seu moço. Tem 42 anos e é um assanhamento de uma menina. Eu só não fui à forra porque o namorado dela é muito velho pra mim, senão o troco já estaria dado. Ele bem que fica me olhando com aquele olhar de guloso, só vendo!

08/08/2012

IMPRESSÕES

Arcanjo Isabelito Salustiano

Pensando em como dizer à filha de 14 anos que está apaixonado novamente aos 50, o pai recorreu aos seus próprios 14. Com seus botões desabrochando de paixão, lembrou-se de que naquela idade considerava os pais seres completamente assexuados. Nunca iria imaginar que o pai e a mãe tivessem relações sexuais. Mas, calma lá: aquelas relações sexuais fortuitas, destinadas apenas ao prazer de ambos. Sabia sim, que a reprodução era sexuada entre os humanos, seus pais reproduziram sim (e não foi pouco, pois era de uma família de muitos irmãos), mas fora disso – pensava - a vida deles era para ser apenas trabalhar e cuidar dos filhos. Sabia também que eles dormiam juntos todos os dias. Ele próprio já se socorreu várias vezes lá na cama dos pais com medo de assombrações em seus pesadelos constantes de madrugada quando criança. Agora, sexo, sexo, mesmo, esse que todo mundo fica aí querendo, ou fazendo só para satisfazer a natureza ciática*, ah não, isso, não!
(*ciática aqui não tem nada a ver com nervo ciático, vem de cio)

A visão que temos nesta idade é de distanciamento absoluto entre o novo e o velho, entre meia idade e juventude, entre adolescência e infância. Tudo é muito extremo. Por exemplo, quando a mãe morreu  ele tinha 20 anos. Ela, 51. Chorou um rio de lágrimas durante uns bons anos e até hoje, quase trinta anos se passaram e ela ainda faz falta. Mas naquele instante um dos consolos era de que ela já tinha vivido muito, estava velha. Nunca passava pela sua cabeça estar com 51 anos, um horizonte totalmente fora de qualquer plano de vida de um adolescente. Pensava mais ou menos assim: a mãe nasceu, cresceu, casou-se teve muitos filhos, criou-os todos e ainda pode ficar muito tempo com todo mundo já adulto ( já tinha umas três ou quatro irmãs casadas, já tinha sobrinhos e a mãe já era avó). É muito difícil essa abstração com o tempo.

Agora, ei-lo aí, completamente apaixonado, aos 50 anos, achando-se novíssimo e tendo que falar para a filha - sem parecer ridículo - que amor não tem idade, sexo também não.






DESCULPAS: Amigos, perdoem a minha ausência momentânea em seus blogs. Estou num ritmo frenético de viagens e o tempo anda meio apertado. Assim que me acomodar mais um pouco eu retorno em cada um, com prazer, alegria e gratidão. Abraços. Paz e bem.

25/07/2012

CONFLITOS

IORRAN SEBASTIÃO BASTOS


-E aí, pai, como foi o almoço com ela?
Foi a primeira coisa que perguntou quando ele entrou no carro para irem a um show de música que haveria naquele dia.  O cantor João Bosco, aquele mesmo que disse em uma de suas canções que “o amor quando acontece, a gente esquece tudo o que sofreu um dia”, ia ser homenageado em um  evento na cidade.

- Foi ótimo, filha e acho que você já vai ter uma madrasta e não demora muito.
- É mesmo?

A pergunta veio junto com aquele semblante preocupado-alegre, uma feição lutando para se sobrepor à outra para não deixar constrangimentos para o pai, quando viu a cara de só risos dele.

-Sabe, filha depois de alguns casamentos as coisas não são como a gente gostaria, aquela entrega imediata, típica da ousadia dos apaixonados. Ela mesma sabia um pouco das coisas do coração, afinal já não é mais uma menininha. Também tinha lá seus conflitos.

Mesmo assim ficou procurando uma explicação que conseguisse sintetizar aquele momento pelo qual passava. O coração não tem nenhuma compatibilidade com planejamentos, no entanto. Estava pensando meio ansioso, meio angustiado o que falaria para ela quando buzinasse à porta da casa. Sabia que ela ia perscrutar algo. Estava curiosa para compreender mais  aquela meia história que ele havia lhe contado no domingo anterior sobre a primeira namorada dele na pré-adolescência. Agora ele e ela se reencontraram depois de mais de trinta nos, sós novamente e com um horizonte cheio de possibilidades de viver o que não foi possível naquela ocasião. Num estalo, veio-lhe a explicação em forma de canção e foi assim que respondeu – cantando – logo que ela fez a pergunta:


“Ah, meu coração que não entende
O compasso do meu pensamento
O pensamento se protege
E o coração se entrega inteiro sem razão.
Se o pensamento foge dela
O coração a busca, aflito.
E o corpo todo sai tremendo
Massacrado e ferido do conflito.”
CONFLITO (Canção de Fagner)

10/07/2012

DUPLA NOVA NO PEDAÇO


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É sabido no meio dos bebedores compulsivos que as mais inesquecíveis amizades são feitas num boteco. Inesquecíveis, pois costumam ser as melhores e também as piores. Principalmente porque elas não costumam extrapolar os limites geográficos do estabelecimento, a não ser que seja para um encontro em outro bar com cerveja mais gelada, tira-gosto mais gostoso, música mais agradável, etc, etc, etc. Quanto ao “melhor e pior”, fique bem claro que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.

Foi num desses ambientes, outrora muito mais freqüentados pelo Arcanjo para seus inolvidáveis porres que conheceu e ficou amigo do Iorran Sebastião Bastos, um músico da noite. Não, ele não é cego, nem compôs nenhuma música clássica. Qualquer semelhança do nome com o genial  Joahann Sebastian Bach deve ser atribuída ao apego desmesurado de sua mãe com os clássicos da música. O pai queria Lamartine, em homenagem a um  grande compositor brasileiro, mas se deu por satisfeito. Ambos eram devotos da boa música. Começou sua trajetória musical mais ou menos como os Engenheiros do Hawaii. Tinha uma banda com a turma da escola de engenharia, só que ao final do curso, todos os demais foram atacar de engenheiros como mandava o diploma e ele destoou da régua e do compasso. A harmonia dos números era muito fria para seu sensível apego a um acorde dissonante. Iorran toca muito bem vários instrumentos e, além disso, passeia por muitos estilos, exceto os da moda atual. Segundo sua teoria musical, a música sertaneja eletrônica e as baladas de axé, funk e demais batidões são uníssonas. Tocou uma vez tem-se a sensação de ter tocado todas. Mudam-se vez em quando as dancinhas que inventam para acompanhar. A amizade com o Arcanjo nasceu a partir de uns aplausos quase solitários deste para ele, depois de tirar no sax a canção As Rosas Não Falam, desprezada pela platéia alvoroçada dos fins de noite. Quase ninguém no bar prestava atenção. Os poucos que o faziam era com pedidos para ele mudar para música sertaneja que chamavam de universitária, seja lá o que possam achar o que isso signifique. A própria atmosfera cultural da universidade já não é mais a mesma de uns anos atrás, então o que diremos de música universitária?

Um papo filosófico musical recheado de nostalgia e uma cantoria alegre varou a noite e só foi terminar a pedido do dono do bar para eles gentilmente  pagarem a conta e irem embora (“pelamordedeus”, foi a expressão exata). Precisava fechar as portas.

01/07/2012

GLEICINEIDE, O CAFÉ E A MORTE


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Estava na cozinha vendo uma velha garrafa de café e comentei com a Gleicineide que uma das formas que a gente tem de se livrar de uma garrafa de café velha é esperar algum velório. As pessoas costumam levar café durante a madrugada e raramente há alguém que volta com a garrafa para casa. Cisma higiênica, superstição ou oportunidade de descarte para comprar outra. Consumismo também ensina macetes mais inusitados do que reciclagem. Foi o que já presenciei em alguns velórios. Nunca vi alguém levar café, leite ou chá e depois voltar coma garrafa para casa. Se bem que o meu cunhado do jeito que é pão duro... Se bem também que sendo pão duro, será que ele levaria alguma coisa? Cabeça ruim essa minha!

A Gleicineide já me interpelou dizendo que se depender dela sequer vai ver se tem café.
- Seu moço, eu nem entro naqueles quartinhos de velórios. Se o senhor quer saber mesmo, eu não tenho coragem nem de ir ao banheiro num cemitério. Da última vez eu perdi um primo e fiquei com vontade de fazer xixi mas não fui ao banheiro. Minha mãe até se ofereceu para ir comigo. Fiquei com a bexiga cheia a noite inteira. Cadê coragem?
- Mas medo de que, Gleicineide, você ainda acredita em fantasmas?
Seu moço eu tenho medo dos mortos e dos vivos mas dos mortos eu tenho mais, viu? Assim, não é a pessoa que volta para assombrar a gente, não! É o diabo que assume as feições daquela pessoa ali morta e volta pra gente.
- Mas o que um assombração dessas pode fazer, Gleicineide?
- Uai, no mínimo deixar a gente doida.
- Doida?
- Doida de tanto medo, seu moço. Sei lá, não vou, não tenho coragem de olhar pro defunto nem amarrada! Imagine  se eu vou ter coragem de tomar café?
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